quinta-feira, 9 de julho de 2020

Saiba mais sobre a restituição de crédito de ICMS


Saiba mais sobre a restituição de crédito de ICMS


A Receita Federal recentemente manifestou entendimento preocupante para as empresas que recebem incentivo fiscal de ICMS, caracterizados como subvenção para investimento, veiculados através de legislação estadual que exige o estorno de créditos de ICMS relativos às entradas, o que normalmente ocorre.

O entendimento do Fisco Federal ocorreu através da Solução de Consulta 15 – Cosit, de 18 de março de 2020, onde se conclui que:

“O valor correspondente ao crédito outorgado de ICMS pelo Estado de São Paulo, com base no art. 41 do Anexo III do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 45.490, de 30 de novembro de 2000 c/c a Portaria CAT nº 35, de 26 de maio de 2017, é uma receita que pode ser excluída das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, por ser legalmente considerado uma subvenção para investimento, se observados os requisitos estabelecidos no art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, regulamentado pelo art. 198 da IN RFB nº 1.700, de 2017.

O valor do crédito de ICMS tomado na entrada no insumo e estornado para obtenção da benesse fiscal não pode ser considerado como custo ou despesa para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Assim, se este valor for deduzido na apuração do lucro líquido, deverá ser adicionado na determinação do lucro real e do resultado ajustado do período correspondente.”

A consulta trata de situação muito comum no Brasil onde a legislação estadual concede incentivo fiscal de ICMS, através de crédito outorgado, crédito presumido ou redução de base cálculo necessária para se chegar a uma alíquota reduzida, mas, em contrapartida, exige o estorno dos créditos de ICMS relativos às aquisições de mercadorias e insumos pela pessoa jurídica.

A situação fática consultada refere-se à concessão de crédito outorgado, pela legislação paulista, de 12% (doze por cento) sobre o valor das operações internas de saídas. Em contrapartida à utilização desta redução tributária, a legislação impõe o ônus do contribuinte de proceder ao estorno proporcional dos créditos de ICMS tomados na entrada dos insumos utilizados na produção das mercadorias abrangidas pelo regime de crédito outorgado. O montante do estorno efetuado, porque calculado segundo regra de proporcionalidade das saídas dos últimos 12 meses, é inferior ao crédito outorgado.

O contribuinte suscita a dúvida acerca de qual o montante a ser registrado como subvenção para investimento, para fins de apuração dos tributos federais: o valor do crédito de ICMS outorgado pelo Estado incidente nas operações internas de venda de mercadoria ou a diferença apurada entre o valor do crédito outorgado e o valor do estorno realizado como ônus necessário para o gozo deste direito.

A partir da adoção pelo Brasil do padrão internacional das normas de contabilidade, as subvenções governamentais, da qual a subvenção para investimento representa uma espécie, passaram entre nós a ser reconhecidas como receita no resultado da entidade, nos termos do Pronunciamento Técnico CPC nº 07 (R1) – Subvenção e Assistência Governamentais. Uma subvenção governamental deve ser reconhecida como receita na demonstração do resultado e confrontada com as despesas que pretende compensar, em base sistemática, desde que atendidas as condições do citado Pronunciamento. A subvenção deve ser reconhecida como receita, assim como o tributo constitui uma despesa. Logo, a subvenção governamental não pode ser creditada diretamente no patrimônio líquido, mas participar da formação do resultado.

A regulação dos incentivos fiscais caracterizados como subvenção para investimento ganhou novos contornos com a edição do art. 30 da Lei 12.973, de 13 de maio de 2014, segundo a qual a subvenção para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedida como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, não será computada na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros (reserva de incentivos fiscais), somente podendo ser utilizada para a) absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais reservas de lucros, com exceção da reserva legal, ou b) para aumento do capital social.

Posteriormente, a Lei Complementar 160, de 7 de agosto de 2017, inseriu os §§ 4º e 5º ao mencionado art. 30 da Lei 12.973/2014, estabelecendo que os incentivos fiscais de ICMS são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo, bem como determinando a aplicação desta regra inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.

Em seu art. 10, a Lei Complementar 160/2017 estabeleceu ainda que o disposto nos §§ 4º e 5º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014 aplica-se inclusive aos incentivos fiscais de ICMS instituídos sem aprovação unânime do Confaz por legislação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos desta Lei Complementar, desde que atendidas as respectivas exigências de registro e depósito, nos termos do art. 3º da mesma Lei Complementar.

Em outro dizer, após a edição da Lei Complementar 160/2017, por expressa decisão do legislador brasileiro, os incentivos fiscais de ICMS, mesmo em desacordo com a exigência de aprovação do Confaz, desde que registrados e depositados neste órgão, assumem a natureza jurídica de subvenção para investimento e, assim, submetem-se ao tratamento tributário a ela aplicável, qual seja, o registro em reserva de lucros (reserva de incentivos fiscais) e o não cômputo na determinação do lucro real.

A posição do Fisco federal reconhece expressamente (item 18.1) que “existem dois tipos de subvenções para investimento, quais sejam, as subvenções concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, inclusive quando concedidas por meio de isenções ou reduções de impostos, e os incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal.” Parece induvidoso, assim, que já não remanesce qualquer disputa interpretativa acerca da natureza jurídica autônoma dos incentivos fiscais de ICMS como espécie autônoma de subvenção para investimento, ao lado da outra espécie representada pelo estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, inclusive quando concedida por meio de isenções ou reduções de impostos.

Este entendimento oficial está em linha com o previsto na Instrução Normativa 1700/17 cujo art. 198, § 8º reconhece que os incentivos fiscais de ICMS são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos no caput e nos §§ 1º a 4º do citado artigo.

Em outras palavras, a Receita Federal admite que as exigências de sincronia e de vinculação entre a percepção da vantagem fiscal e a aplicação do respectivo recurso na aquisição de bens ou direitos necessários à implantação ou expansão do empreendimento econômico beneficiado não se aplicam à qualificação jurídico-tributária dos incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimento.

Parece-nos acertado o entendimento oficial na medida em que reproduz a nova disciplina legal dos incentivos fiscais de ICMS como espécie autônoma de subvenção para investimento. Preenchidos os requisitos legais constantes do art. 30 da Lei 12.973/14, a subvenção para investimento correspondente aos incentivos fiscais de ICMS constitui uma receita que pode ser excluída das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Quanto ao tratamento tributário do valor do estorno do crédito de ICMS registrado contabilmente como “ICMS a recuperar” quando das aquisições, imposto como ônus para o gozo do incentivo fiscal pelo legislador paulista, o Fisco federal entende que este montante “não pode ser considerado como custo ou despesa para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Assim, se este valor for deduzido na apuração do lucro líquido, deverá ser adicionado na determinação do lucro real e do resultado ajustado do período correspondente”.

Para o Fisco federal, para que um imposto possa ser considerado como não recuperável e integrar o custo do produto produzido, a pessoa jurídica não deve possuir formas de recuperar o valor por meio de créditos. No caso do incentivo fiscal analisado, o crédito de ICMS registrado em face da compra de insumos era, a princípio, um imposto recuperável, mas teria perdido tal caráter por liberalidade da empresa que, visando à obtenção do incentivo fiscal, procedeu ao seu estorno. Logo, não poderia tal estorno ser considerado como custo, devendo ser adicionado na determinação do lucro real.

Este entendimento fiscal parece-nos que não se amolda à melhor exegese para o caso.

O crédito fiscal de ICMS, como regra geral, constitui um gasto recuperável pelo contribuinte em razão da não-cumulatividade tributária deste imposto, razão pela qual a sua contabilização é realizada no ativo circulante como “ICMS a recuperar”, separadamente do custo da mercadoria adquirida.

Do ponto de vista contábil, nos termos do Pronunciamento Técnico CPC 16 (R1), o custo de aquisição dos estoques compreende o preço de compra, os impostos de importação e outros tributos (exceto os recuperáveis junto ao Fisco), bem como os custos de transporte, seguro, manuseio e outros diretamente atribuíveis à aquisição de produtos acabados, materiais e serviços.

A legislação tributária (RIR 2018, art. 301), caminha na mesma trilha ao estabelecer que o custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou na importação, incluídos os gastos com desembaraço aduaneiro. Os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal não integram o custo de aquisição.

Vale dizer, é de clareza solar que tributos pagos pelo adquirente na aquisição de mercadorias, em princípio, devem ser registrados e tratados contábil e fiscalmente como custo de aquisição destas mercadorias, salvo quando presente a possibilidade real de sua recuperação através da sistemática própria de incidência tributária, como normalmente ocorre com o ICMS.

O próprio Fisco Federal já manifestou entendimento reconhecendo que “para fins de apuração do lucro real, o valor do ICMS objeto de lançamento de ofício, quando não recuperável como crédito na escrita fiscal do contribuinte, compõe o custo de aquisição da respectiva mercadoria destinada à venda.”

É equivocada a premissa adotada pelo Fisco de considerar como mera liberalidade o estorno dos créditos de ICMS decorrente das entradas, exigido pela lei paulista. Juridicamente, tal estorno representa um ônus, isto é, um encargo, uma limitação imposta pela regra jurídica como necessária para o gozo de um direito subjetivo. Para ser titular do direito ao crédito outorgado (subvenção para investimento), deve o contribuinte suportar o ônus de estornar os créditos de ICMS cujo custo foi por ele assumido no pagamento das mercadorias adquiridas. O contribuinte não tem a opção de estornar ou não os créditos de ICMS para exercer o direito ao crédito outorgado; o estorno é elemento essencial para o nascimento deste direito; de liberalidade definitivamente não se trata.

Nos termos em que foi formulado pela lei paulista, o exercício do direito à subvenção para investimento impõe, como consequência jurídica inelutável do seu regime jurídico, a não recuperação do ICMS pago nas entradas haja vista o ônus do seu estorno pelo contribuinte, a exigir a necessária agregação deste valor ao custo das mercadorias adquiridas, já que o tributo foi efetivamente gasto pelo adquirente no pagamento do preço das mercadorias.

Seguindo o mesmo raciocínio aqui exposto, a Jurisprudência Administrativa registra precedente reconhecendo que o contribuinte tem direito ao registro como custo do crédito de ICMS estornado pelo Fisco estadual em razão da concessão de crédito presumido pelo Estado de origem das matérias-primas por ele adquiridas.

Outrossim, parece-nos também inadequado tratar o estorno do crédito de ICMS como despesa indedutível para fins fiscais, já que, considerada a sua irrecuperabilidade no caso analisado, revela autêntico custo de aquisição da mercadoria.

Custo e despesa conceitualmente não se confundem. Diz-se que há custo quando a pessoa jurídica emprega recursos do seu ativo ou contrai dívida para a aquisição de um bem ou direito, ou seja, está investindo (arcando com um custo) para ter a titularidade do bem ou direito. Por outro lado, ocorre despesa quando a pessoa jurídica promove gastos ou incorre em dívida para pagar um encargo relacionado a algo que já tenha sido usado ou consumido, ou seja, reflete uma perda.

Outrossim, determinar a adição do estorno dos créditos de ICMS na determinação do lucro real significa, por via transversa e sem apoio legal, reduzir o efeito fiscal da subvenção para investimento já que parte do IRPJ e CSLL que deixar de ser pago com a exclusão da subvenção na apuração das bases de cálculo destes tributos, será pago com a adição fiscal do montante do estorno de crédito de ICMS.

Ademais, o entendimento fiscal conflita ainda com a consolidada jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de que incentivos fiscais de ICMS não podem constituir base de cálculo de IRPJ e CSLL.

Portanto, considerar como renda tributável o crédito de ICMS estornado como ônus para o exercício do direito à subvenção econômica representada pelo crédito outorgado significa, por outro caminho, tributar no âmbito federal (pelo IRPJ e CSLL) parte do próprio incentivo fiscal de ICMS concedido pelo Estado, configurando manifesta invasão de competência federativa.

Fonte: Conjur
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