sexta-feira, 14 de julho de 2023



Mudanças nas regras para piso da saúde




Com arcabouço fiscal e reforma tributária, regras para vinculação do orçamento devem passar por revisão




RESUMO: As mudanças nas regras para o piso da saúde estão sendo discutidas no Congresso. O presidente Lula defende que os recursos destinados à saúde sejam considerados investimento, não gasto. Com o fim da regra do teto de gastos, o valor mínimo para a saúde é de 15% das receitas correntes líquidas. No entanto, o arcabouço fiscal em discussão cria pressões para revisar a vinculação dos gastos com saúde e educação. Além disso, o fundo de auxílio para o piso de enfermagem não foi considerado aumento das despesas de saúde. Essas mudanças geram pressões para revisar o piso da saúde. Diversas propostas estão sendo debatidas, como atrelar o piso a um valor per capita corrigido por fatores como crescimento da população idosa e inflação. No entanto, há receios de que as mudanças possam resultar em contenção linear dos gastos, afetando o setor da saúde. A discussão ocorre em paralelo a outras reformas, como a tributária. O governo afirma que a saúde é prioridade, mas as decisões são feitas em conjunto com o Congresso, o que pode resultar em concessões e alterações nos planos originais.

Sexta-feira, 14 de julho 2023

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Durante a campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a dizer que os recursos destinados à saúde devem ser considerados como investimento e não como gasto. A fala foi repetida nos primeiros meses de governo e passou a ser copiada por integrantes de sua equipe. Resta saber se a ideia será respeitada diante das pressões que começam a despontar no Congresso e entre representantes que integram a ala mais fiscalista do governo.

Com o fim da regra do teto de gastos, o valor mínimo que a União deve reservar para ações e serviços de saúde voltou a ser norteado pelo que está na Emenda Constitucional 86: 15% das receitas correntes líquidas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a afirmar que a perda acumulada durante a vigência do teto (quando o valor mínimo era corrigido pela variação da inflação) seria compensada. Os caminhos para que isso seja concretizado, no entanto, não foram explicados.

Um cenário otimista, muitos podem dizer. Mas a proposta do arcabouço fiscal, que limita as despesas da União a um percentual da sua receita, mudou esse panorama. O texto, que deve retornar à Câmara depois de alterações realizadas no Senado, cria indiretamente uma pressão em torno da vinculação dos gastos da União com saúde e educação. Da forma como está, há possibilidade de que outras áreas do governo pressionem também uma revisão. Sob um argumento claro: por que as despesas de outras áreas devem se limitar a 70% do crescimento da receita enquanto no caso da saúde a regra é outra?


Há ainda outro ponto importante. O texto que havia sido enviado para a Câmara dos Deputados pelo governo sugeria que os R$ 7,3 bilhões do fundo que será usado pelo governo federal para auxiliar estados e municípios a pagarem o piso de enfermagem não deveria ser contabilizado no aumento das despesas de saúde. Essa exceção havia sido proposta justamente para dar uma margem maior para se trabalhar o orçamento do setor. Esse trecho, no entanto, foi retirado na Câmara e não foi incorporado no Senado.

O presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, Francisco Funcia, considerou a retirada como uma derrota para a saúde, pois reduz espaço para investimentos. E prevê: a regra existente para definição do piso da saúde dificilmente será mantida. “Haverá, de fato, uma pressão pelos recursos. Mas o que defendemos é que o valor definido pelos 15% da receita corrente líquida deve ser o patamar mínimo, o ponto de partida. Nunca menos do que isso”, afirmou.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, já anunciou que a partir de agosto será feita uma discussão sobre novas regras para os pisos, de forma a se descolar, no caso da saúde, o aumento do orçamento para o setor à receita. A lógica também é defendida por Funcia.

“No formato em vigor, a saúde recebe mais recursos quando a economia vai bem. Durante as crises, e justamente quando há maior impacto para a saúde pública, os investimentos são menores”, diz Funcia. Uma das propostas prevê atrelar o piso da saúde a um valor per capita, corrigido por fatores como taxa de crescimento da população idosa e variação da inflação.

Mas o fato é que nem todos acreditam que esse formato tenha fôlego, sobretudo diante das pressões que estão se formando. Para a procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo Élida Graziane Pinto, a discussão precisa ser acompanhada de perto. “Infelizmente, no contexto atual, a tendência é de uma revisão meramente de contenção linear; de achatamento contábil para o cálculo do piso”, avalia.

Ela lembra que depois da Constituição Federal de 1988 a forma de vinculação de gastos em saúde já foi diversas vezes alterada, sempre de forma a se reduzir a participação da União sobre o volume de gastos. “Tradicionalmente, a responsabilidade é sempre empurrada para estados e municípios”, diz a procuradora.

Além da vinculação do piso, Élida cita a judicialização. “Os pedidos na Justiça são ocasionados em grande parte porque procedimentos, medicamentos não foram incorporados ao SUS. Listas como a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) não são atualizadas com uma boa periodicidade.” E nas decisões judiciais, observa a procuradora, a conta geralmente recai sobre estados e municípios.

Tanto Élida quanto Funcia avaliam haver espaço para aprimorar as regras. “O fato é que o piso em saúde não atende ao planejamento sanitário. O uso é suscetível a desvios, ainda mais agora, com emendas parlamentares impositivas – contabilizadas também dentro do piso federal da saúde. Muitos dos recursos são usados para atender interesses cartoriais, em vez de seguirem os parâmetros do plano nacional de saúde”, afirma Élida.

As discussões sobre mudanças nas regras do piso ainda estão no início e devem ocorrer em um cenário em que outras alterações também estarão em discussão, como a reforma tributária.

O discurso do governo é de que saúde é prioridade. Os exemplos da necessidade de investimento na área são inúmeros e a lembrança do que ocorreu no período da pandemia ainda está muito presente. Mas é preciso lembrar que as mudanças ocorrem em parceria com o Congresso. Concessões são feitas e muitos dos planos acabam sendo alterados, haja vista o que aconteceu com a proposta de se acabar com a Funasa, apresentado ainda no governo de transição.

O receio é de que, na disputa de interesses, os recursos para a saúde sejam novamente colocados em segundo plano. 



Fonte > JOTA > LÍGIA FORMENTI
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