REFORMA TRIBUTÁRIA
Será o imposto seletivo a solução ou um problema?
Feita no improviso, criação pode gerar efeitos contrários ao pretendido e nefastos à economia
A Câmara dos Debutados aprovou, em ambos os turnos, a proposta de reforma tributária (PEC 45/2019) que, dentre as alterações, propõe a criação de um imposto seletivo. De acordo com a redação do substitutivo à PEC 45/2019, o imposto seletivo será de competência federal, com proposta de inclusão no artigo 153, VIII, da Constituição Federal e incidirá sobre a “produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei”.
A redação sugere a adoção das teorias que defendem uma tributação mais pesada em bens ou serviços que seriam prejudiciais à saúde, como a de Pigou e seus seguidores. O objetivo é desestimular o consumo e compensar os custos sociais negativos (ou externalidades negativas) que o consumo desses bens ocasionaria.
Contudo, para além das acertadas críticas à reforma apresentada (sobretudo sob o ponto de vista federativo), há sérios problemas na adoção dessa visão teórica que merecem reflexão. Este artigo se presta a algumas delas.
O primeiro deles é, justamente, a definição do que se considera prejudicial à saúde ou ao meio ambiente. Na PEC não consta qualquer critério para sua definição ou limites da sua tributação, o que pode dar margem para a criação de imposto seletivo sobre os mais variados produtos e serviços, permitindo justificativas que seriam pouco sujeitas aos controles de legalidade ou constitucionalidade.
Mas ainda que se suponha ser possível elencar alguns bens/serviços que sejam, inquestionavelmente, considerados prejudiciais à saúde, o problema do imposto seletivo não se encerra nisso. Na verdade, com isso, surge problema ainda maior: como determinar qual seria a tributação adequada para cada bem e serviço?
Não há informação necessária disponível para o governo mensurar essa tributação na proporção exata da externalidade negativa que pode gerar e considerar isso em face do custo gerado. Isso sem mencionar os diversos fatores subjetivos envolvidos na escolha realizada no momento do consumo, como as características do consumidor, o tempo e o local (para se falar apenas do óbvio).
Em outros países que adotam essa forma de tributação, há um bom tempo, como os EUA, há estudos que indicam a inexistência de evidências que sejam suficientemente capazes de demonstrar que uma tributação maior de produtos prejudiciais à saúde leve à redução do consumo ou mesmo que essa tributação tenha tornado os indivíduos mais saudáveis ou contribuído para o sistema público de saúde de uma forma geral. De outro lado, há efeitos negativos que são possíveis de serem mensurados, como o aumento de importação e comercialização desses produtos de forma clandestina, além do potencial de regressividade dessa forma de tributação (ou seja, acaba-se por tributar mais que detém menor capacidade contributiva).
É por todos esses pontos que há muito tempo economistas, como Ronald Coase e James Buchanan, têm defendido que a adoção de uma tributação para corrigir externalidades negativas não é a melhor solução.
O próprio Pigou afirmava que o uso da tributação para correção de externalidades negativas deveria ter limites determinados, sob pena de se ter mais prejuízo do que benefício.
Contudo, ao ser analisada a PEC não se constata qualquer limite para a tributação. Além disso, também não foi realizada análise sobre os efeitos que o imposto seletivo poderá gerar. Em realidade, não há uma preocupação nem se, ao menos, o imposto seletivo é o meio adequado para atingir a finalidade pretendida.
Aliomar Baleeiro, ao tratar sobre a tributação extrafiscal mencionava que “qualquer técnica de tributação extrafiscal em bases racionais pressupõe o estudo dos efeitos de cada imposto em dadas circunstâncias e, notadamente segundo as tendências das conjunturas econômica” e alertava que “as negligências e improvisações podem ter o desfecho do conhecido apólogo do aprendiz de feiticeiro”.
O alerta de Aliomar Baleeiro se encaixa perfeitamente com a proposta de reforma tributária atual. A criação de um imposto seletivo feita no improviso, além de poder não atingir os efeitos pretendidos, pode gerar efeitos contrários e nefastos à economia. Então, espera-se que, ao menos, sejam descortinados os motivos reais dessa mudança, que, aparentemente, são arrecadatórios.
Fonte > JOTA > PAMELA VARASCHIN PRATES
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