REFORMA
TRIBUTÁRIA PREVÊ SIMPLIFICAÇÃO DO SISTEMA ALINHADA A PADRÃO GLOBAL
Unificação de tributos seguindo modelo do IVA promete transformar tributação do consumo e facilitar negócios no Brasil
Quinta - feira, 24 de agosto 2023
RESUMO: A reforma tributária brasileira visa simplificar o sistema, unificando tributos como IPI, PIS, Cofins, ISS e ICMS em um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual e Imposto Seletivo. Isso promete reduzir a complexidade e tornar o sistema mais alinhado com padrões globais. A reforma busca também aumentar a transparência na cobrança de impostos, promovendo a neutralidade e a simplificação. No entanto, seus efeitos completos serão observados gradualmente até 2033, com a introdução progressiva das mudanças. A expectativa é que a reforma melhore o ambiente de negócios e promova equilíbrio na distribuição das cargas tributárias entre os setores. O próximo passo está no Senado, onde o texto da PEC será refinado.
Nos próximos meses, o Senado trabalhará com todos os olhares voltados para si. Ele terá o compromisso de discutir e aparar as arestas da proposta de reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados. O tema está sob a relatoria de Eduardo Braga (MDB-AM), com expectativas de aprovação pelos senadores neste segundo semestre.
A reforma tributária pretende transformar a arrecadação de tributos no Brasil. A principal mudança é a unificação de tributos – o que pode reduzir a complexidade tributária no país, com a criação de um sistema mais próximo do praticado internacionalmente.
Além disso, na versão atual do texto, estão previstas mudanças para reduzir a regressividade e simplificar obrigações acessórias no recolhimento de tributos. Esses pontos são vistos pelos especialistas como essenciais para melhorar o ambiente de negócios no Brasil, fomentando investimentos.
Parte dessas alterações ainda será detalhada por uma lei complementar e por outras leis ordinárias que serão submetidas ao Congresso Nacional, o que deve acontecer até 2025. A partir de então, haverá um período de transição gradual entre 2026 a 2032. A implementação completa da reforma está prevista para 2033.
Simplificação de tributos
De acordo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, conforme o texto aprovado na Câmara, o IPI, PIS, Cofins, ISS e ICMS serão substituídos por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual e pelo Imposto Seletivo. Haverá então o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
“Temos hoje um sistema muito complexo, com 27 legislações estaduais, regimes de substituição tributária, operações interestaduais com diferentes previsões. Tudo isso impôs a necessidade de simplificação”, explica Betina Grupenmacher, advogada e professora de direito tributário da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Por isso, a maior mudança é a simplificação do sistema tributário com a unificação dos impostos e contribuições”, completa.
O modelo do IVA é adotado em 174 países e, ao ser implementado no Brasil, traz vantagens inclusive para o planejamento tributário, como aponta Daniela Olímpio, professora e pesquisadora no Programa de História Econômica da Universidade de São Paulo (USP). “A reforma tributária reduz significativamente a bitributação e facilita a dinâmica empresarial. Também simplifica o acréscimo de impostos, com dedução do tributo sobre as operações anteriores”, comenta a especialista.
Atualmente, o Brasil enfrenta problemas que se somaram ao longo das décadas. Na ausência de um modelo com IVA, o sistema nacional apresenta alta cumulatividade, com impostos e contribuições se sobrepondo ao longo da cadeia produtiva; um esquema de tributação na origem que, na experiência local e internacional, se mostra ineficiente; alta variabilidade de alíquotas e inúmeros atributos fiscais que competem para influenciar o resultado final tributário.
Transparência no sistema tributário
Para a tributarista Lina Santin, sócia da banca Salusse Marangoni Parente Jabur, serão garantidas a neutralidade da tributação e a transparência da carga de impostos a ser paga. Ela entende que isso deve acontecer porque o novo modelo adotará uma referência única do consumo de bens e serviços, encerrando a fragmentação existente hoje. Isso aproxima o Brasil das melhores práticas internacionais, simplificando um sistema hoje altamente complexo.
“Desde 2015, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomenda que o Brasil use o modelo do IVA. Entre os países mais relevantes economicamente, apenas os Estados Unidos não utilizam o IVA; todos os outros seguem o modelo”, afirma Santin, que participou da elaboração da proposta antes de ser submetida ao Congresso, junto a outros especialistas do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).
Os novos tributos serão cobrados no destino da operação, o que significa o local onde a compra foi realizada, onde foi feita a entrega, o serviço foi prestado ou a localização do adquirente, por exemplo. No modelo atual, a tributação é feita na origem do produto ou serviço.
“É assim no mundo inteiro, por isso minha única preocupação e ressalva é uma possível evasão fiscal”, reflete a professora Grupenmacher, indicando a necessidade de mecanismos para reforçar a fiscalização.
Além disso, a reforma contribui com a transparência do imposto pago pelo consumidor ao estabelecer um modelo de cobrança “por fora”, o que garantirá que o valor da alíquota informada seja equivalente ao efetivamente cobrado do contribuinte. Assim, o cálculo do débito do imposto será feito a partir do valor da compra.
Hoje, a cobrança de alguns tributos é feita “por dentro”: Com isso, a alíquota que o contribuinte realmente paga é maior do que seu valor nominal, pois o imposto compõe sua própria base de cálculo, como se ele também fosse uma parte do bem ou serviço. Há uma cobrança do tributo sobre o tributo, como ocorre no caso do ICMS.
Efeitos de médio e longo prazos
Embora já possa aumentar a confiança e a segurança sobre o sistema tributário nacional, os benefícios ainda devem aguardar para serem observados. Haverá um período de transição com a introdução gradual das mudanças. Em 2026, serão cobradas alíquotas como teste da reforma.
No caso da CBS, será de 0,9%; do IBS, de 0,1%. No ano seguinte, em 2027, a CBS substituirá definitivamente os atuais tributos federais sobre bens e serviços. E a partir de 2029, a reforma prevê a implementação escalonada dos tributos estaduais e municipais até 2032.
Tendo a simplificação do sistema como principal objetivo, os impactos não devem se restringir ao pagamento de tributos sobre o consumo, mas em toda a forma como se faz negócios no Brasil atualmente. Como define a professora Daniela Olímpio: “o que está presente é a alavanca econômica e o aquecimento do mercado com novas dinâmicas de tributação”.
Alguns setores, como o de serviços realizados para pessoas físicas, podem ter aumento da carga tributária, enquanto outros verão redução. “Aqueles setores que estão no meio da cadeia não terão aumento de carga em razão do sistema não cumulativo”, esclarece Lina Santin. Porém, a ideia é que, na conta final, haja mais equilíbrio.
“O compromisso com a reforma é que não ocorra aumento da carga tributária, mantendo-se os parâmetros de arrecadação global atual. Muito se diz que é a indústria o setor mais beneficiado. Mas, na realidade, há um realinhamento na distribuição das cargas tributárias para que todos os setores passem a pagar igualmente, como é no mundo inteiro”, finaliza a advogada tributarista.
Tributos seletivos e mudanças de alíquotas
A seletividade é uma técnica de tributação que se aplica a bens e serviços de acordo com suas características – para reduzir ou mesmo aumentar a carga tributária de certos produtos, regulando o consumo. “Atualmente, a seletividade é medida pela ‘essencialidade do bem’. Quanto mais essencial, menor a alíquota desses impostos. Assim, torna-se possível, por exemplo, a tributação menor (ou com alíquota zero) de produtos da cesta básica”, afirma a professora Daniela Olimpio.
O texto-base da reforma prevê a isenção de tributos de itens da chamada Cesta Básica Nacional de Alimentos, mas a definição dos produtos incluídos será feita no futuro, por meio de uma lei complementar. Nesse caso, a ideia não é incluir todos os alimentos, mas estabelecer um rol a ser beneficiado.
Além de produtos com alíquota zero, outros dois tipos de alíquotas foram determinadas: a de valor integral e a reduzida. “A redução da alíquota em 60% é voltada ao transporte público coletivo, serviços de educação, dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência, insumos agropecuários e produtos de higiene pessoal, inclusive para saúde menstrual, um grande sucesso dos esforços empreendidos pelas mulheres nesse tema”, elenca Betina Grupenmacher. Da mesma forma, atividades artísticas e culturais nacionais também terão a alíquota reduzida.
Também há a instituição do Imposto Seletivo, que tem o objetivo extrafiscal de desincentivar o consumo de itens maléficos à saúde ou ao meio ambiente. O texto ainda não define quais seriam produtos ou serviços, mas, mundialmente, geralmente há alíquotas aumentadas para bebidas alcoólicas, cigarros e alguns alimentos.
Outra inovação a ser introduzida no sistema tributária, com base no texto atual, é a possibilidade da devolução dos tributos (CBS e IBS) por meio de um modelo de cashback tributário. Inicialmente prevista em contraposição ao fim da desoneração de alimentos – o que acabou admitido no texto aprovado –, a estratégia passou a ser citada como aliada para reduzir as desigualdades de renda, gênero e raça.
“Essa medida tem o propósito, talvez o mais marcante na reforma, de combater a regressividade do sistema tributário”, destaca Daniela Olimpio. A população beneficiada pelo cashback, bem como o formato e os limites da devolução dos tributos, também se dará em lei complementar, que ainda discutirá as alíquotas de cada um dos impostos simplificados.
Por enquanto, o próximo passo está com o Senado. Como se trata de uma proposta que alteraria a Constituição, eventuais mudanças em pontos aprovados pela Câmara precisam ser novamente apreciadas pela casa iniciadora. Os senadores terão a oportunidade de refinar o texto da PEC, para garantir que a reforma cumpra sua finalidade de simplificação.
Fonte > Estudio JOTA > 24 de agosto 2023
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